quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Jogo dos sete acertos




O Barcelona é um grande time pois é diferente, único e, principalmente, porque tem muitos craques

O Barcelona tem várias particularidades. A primeira é que seus três grandes astros, Messi, Xavi e Iniesta, se comportam como cidadãos comuns. Não vestiram a máscara da celebridade. Iniesta chegou ao Japão, pegou um metrô e, na folga, foi passear, sozinho, sem seguranças. Os japoneses devem ter achado que era um sósia. Não poderia ser um Iniesta.

A segunda particularidade é ter, há três anos, mais posse de bola em todas as partidas. Consegue isso porque os jogadores são bons no passe, vários companheiros se movimentam para receber a bola, recuperam-na com facilidade e não a passam para um jogador marcado.

A terceira é, em um mesmo jogo, mudar o esquema tático sem trocar de jogadores. Guardiola, quando quer ter mais um jogador no ataque, troca a linha de quatro defensores para três. Outras vezes, os jogadores se movimentam tanto, que muitos acham que houve mudança tática.

A quarta é ter apenas um típico volante, marcador, Busquets, que é também ótimo no passe. O time não possui também um meia de ligação. Xavi, Iniesta e Fàbregas são armadores, que marcam, organizam e atacam.

A quinta é não cruzar bola na área apenas para se livrar dela. Ninguém dá um chutão. Nem o goleiro, que, às vezes, erra, já que não é um Rogério Ceni.

A sexta é não ter centroavante. Messi é meia, ponta e atacante. O time possui ainda um jogador de cada lado, que marca e ataca. Contra o Real, Guardiola colocou mais um meia (Fàbregas) no lugar do jogador que atua pelo lado (Villa). A única virtude que falta a Xavi e a Iniesta, a de entrar mais na área para fazer gols, é uma das qualidades de Fàbregas.

A sétima particularidade -há outras- é jogar com os zagueiros mais adiantados. O time fica mais compacto, porém deixa mais espaços nas costas dos defensores. Mesmo assim, o Barcelona leva poucos gols. Isso ocorre porque os zagueiros são muito bons, rápidos, o goleiro sabe jogar adiantado, e o time fica a maior parte do tempo com a bola.

O estilo do Barcelona é uma mistura do Santos de Pelé, do Flamengo de Zico e de outras grandes equipes, de todas as épocas, que privilegiavam a troca de passes, como a do carrossel holandês da Copa de 1974, que marcava por pressão e em que os jogadores não tinham posições fixas.
Os técnicos dizem que só o Barcelona pode jogar dessa forma, por ter criado uma escola. É uma meia-verdade. É também uma boa desculpa para a incapacidade de mudar, de arriscar e de sonhar.

*Publicado no jornal Folha de São Paulo em 14/12/2011.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Dois craques

Nesta semana, perguntaram-me, mais uma vez, porque desapareci. Deve ser porque não tenho blog, não faço parte de redes sociais, sumi da televisão e de eventos esportivos e não coloco o e-mail em minha coluna, que poucos leem.
Noto que as pessoas, cada vez mais, acham que só existe vida na TV e na internet. Pior ainda se o nome não estiver no Google. É a sociedade do espetáculo, que não separa o privado do público.
Depois dessa filosofia de botequim, pulo para o futebol. Só se fala nos duelos entre Santos e Barcelona e entre Messi e Neymar, como se o jogo fosse certo.
Os apressados falam que Neymar já é melhor que Messi. Argumentam que o repertório de Neymar é mais variado e mais bonito. São diferentes. Ainda bem.
O estilo de Neymar é mais barroco, com mais adornos. O de Messi é mais clássico, técnico, minimalista. Isso não significa que Neymar não tenha uma excepcional técnica nem que Messi não jogue bonito.
Sem comparar a eficiência, o estilo do brasileiro Neymar tem mais a ver com o do argentino Maradona, e o do argentino Messi tem mais a ver com o do brasileiro Pelé, embora todos tenham estilos diferentes.
Outro argumento dos apressados é que, se Messi jogasse no Santos, seria pior, como ocorre quando atua pela Argentina, e se Neymar atuasse no Barcelona, ao lado de grandes craques, seria melhor. Não é por aí. Os grandes talentos deveriam atuar ao lado dos melhores.
É o mesmo raciocínio, presunçoso, de quando Muricy diz que um técnico europeu só pode ser chamado de excepcional depois que treinar um time brasileiro, como se lá fosse tudo mais fácil.
Receio que Neymar, por ser muito superior a todos os outros jogadores no Brasil e por já ser uma celebridade, como se já tivesse conquistado os maiores títulos mundiais, individuais e coletivos, perca um pouco da maior virtude de um artista, que é a de se superar a cada instante. O maior compromisso de um artista é com sua arte.
A concorrência faz bem ao atleta. A disputa entre Messi e Cristiano Ronaldo para ser o melhor do mundo contribui para a evolução dos dois.
Para ser um craque, como Messi e Neymar, é preciso reunir, mesmo que seja em proporções diferentes, muita técnica, habilidade, criatividade e ótimas condições físicas e emocionais. O talento é a síntese dessas virtudes.
O craque é ainda mais que tudo isso. Há coisas que não se definem nem se explicam. É impossível medir, numerar, os encantos de um craque.

*Publicado no jornal Folha de São Paulo em 11/12/2011 (domingo)


Messi e Neymar, dois craques, cada um com seu estilo, vivem estágios diferentes de suas carreiras